Após amplo debate em Audiência Pública, PL das Músicas é arquivado e um novo é proposto

por Rachel Monteiro publicado 14/05/2025 17h55, última modificação 01/07/2025 15h36
“Sugiro transformar esse Projeto de Lei em um projeto educacional, pegando essas letras que fazem apologia ao crime, à violência, ao uso de drogas ilícitas [...] e mostrar à sociedade um outro lado, construindo uma realidade diferente disso”, disse Wagner Gomides (PV), um dos autores do PL nº 04/2025

Depois de uma ampla e movimentada discussão na Audiência Pública realizada na última quinta-feira (8) entre vereadores, representantes da classe artística e demais cidadãos interessados, ficou acordado que o Projeto de Lei Substitutivo do Legislativo (PLSL) nº 04/2025 (PL das Músicas) vai ser arquivado e um novo proposto. O PLSL regulamenta a reprodução de músicas que façam apologia a crimes em estabelecimentos públicos de ensino e eventos públicos no Município de Ponte Nova. A autoria da matéria arquivada é dos vereadores Careca Totinho (Avante), Marcinho de Belim (PDT), Pastor Fabiano (Avante), Rubinho (PP), e Wagner Gomides (PV).

Durante a Audiência, que foi solicitada e presidida pela vereadora Fernanda Bitenco (Agir), o vereadorWagner Gomides (PV) sugeriu, e os demais vereadores presentes concordaram, transformar o PL em um projeto educacional: “pegando essas letras que fazem apologia ao crime, à violência, ao uso de drogas ilícitas, para que a gente pudesse estudar essas letras. [...] E aí a gente pode falar, por exemplo, por que ele fala dessa música? Por que a realidade dele é essa, essa e essa? Como que a gente constrói uma realidade diferente disso?”

A Mesa do encontro foi composta pelos vereadores Fernanda Bitenco (Agir) e Wagner Gomides (PV);pelo tenente Menezes, da Polícia Militar; e pela secretária municipal de Cultura e Patrimônio, Camila Monteiro Tavares Sotero. 

A favor do PL

Wagner Gomides explicou que, inicialmente, o PLSL nº 04/2025 tinha um outro viés

“Quero deixar desde já registrada a contribuição da vereadora Fernanda na mudança, porque de fato ele era um Projeto e agora nós criamos um Substitutivo a partir das coisas que foram colocadas por ela, pelo colega Guilherme Belmiro (PT), pela colega Suellenn [Fisioterapeuta] (PV), pelo Gustavo [de Fizica] (MDB), pelo Emerson Carvalho (PP), pelo Arthur Vinih, que aqui esteve, pelo Halan Santos, que falou bastante nas redes sociais sobre esse Projeto e que também contribuiu para que a gente pudesse repensar a nossa ideia e trazer aqui a ideia que agora se apresenta, justamente para que a gente não prejudicasse ninguém e tivesse esse Projeto que atenderia a nossa ideia inicial, mas que como Fernanda bem colocou na nossa primeira reunião interna aqui na Câmara: o outro lado, o lado da vivência dela e a gente ouviu atentamente”, observou Wagner. 

Ele falou ainda sobre a importância do debate para construir em conjunto a proposta. “Estamos aqui também para ouvir vocês [...] porque quando se apresenta um projeto ele não é uma matéria pronta, é uma matéria a ser aperfeiçoada com a opinião de todos, os que são autores e os que não são autores do Projeto e também o público que vem hoje à nossa Audiência”.

Wagner disse que os artigos que tratavam sobre o conteúdo sexual foram retirados.

“A princípio foi veiculado que isso era uma censura ao funk, mas nunca foi colocado no Projeto que era proibição ao funk, e sim a conteúdo sexual. [...] Mas entendemos que seria difícil avaliar se, de fato, estaria fazendo apologia a isso ou àquilo, e aí entendemos que seria necessário retirar. Então o Projeto trata apenas das letras que contenham apologia ao crime, ao uso de drogas ilícitas, à violência, ao discurso de ódio ou à discriminação. O Projeto explica o que é apologia. [...] Músicas que só mencionem algum crime e que contém história de superação e que não estimulem a prática do crime podem ser tocadas”, disse.

O parlamentar observou que o PL não se aplica a eventos exclusivamente privados e ainda negou que teria censura.

“Não haverá censura, porque o Projeto não proíbe a contratação de artistas X ou Y pela Prefeitura, apenas impede que eles reproduzam trechos que contenham as expressões vedadas quando o evento for aberto ao público em geral, inclusive com crianças, [...] e seja observada a faixa etária assim como ocorre em teatros e cinemas”, enfatizou.

Wagner recorreu ao texto do Código Penal para embasar sua posição. “O Projeto apenas vem impedir que os recursos públicos sejam utilizados para a prática de crimes. [...] As que de fato estão proibidas no Projeto de Lei já são vedadas pelo nosso Código Penal Brasileiro. [...] Exemplo: artigo 286, ‘incitar publicamente a prática de crime. Pena: detenção de três a seis meses ou multa’. Artigo 287, ‘fazer publicamente apologia de fato criminoso ou de autor de crime. Pena: detenção de três a seis meses ou multa’”.

E finalizou: “esta é a minha fala em nome dos cinco vereadores que assinam o Projeto: usar a liberdade cultural como escudo para músicas que exaltam o crime não só deturpa seu verdadeiro sentido como também enfraquece a luta por uma cultura que educa, eleva e transforma a sociedade”.

O vereador Marcinho de Belim (PDT), que é um dos signatários do PL, lembrou do episódio ocorrido no último Carnaval.

“Eu acho que o respeito alheio tem que ser respeitado. O que aconteceu lá na rodoviária no Carnaval, Vossa Excelência [Fernanda Bitenco] estava lá e foi testemunha, aquilo foi uma banalização. Foram citadas ali palavras, orgias, ao sexo, e isso ficou muito deprimente para as pessoas que estavam ali com suas famílias. As residências que estavam ali próximas ficaram constrangidas porque tiveram que ouvir aquelas músicas citando órgãos genitais para com suas famílias ouvir. Então eu acho que a secretária de Cultura, antes de liberar esses eventos, tem que colocar em evidência que fica proibido isso, porque isso apequena a mulher”.

Pastor Fabiano (Avante) também se pronunciou: “eu sou a favor do Projeto. Eu acho que vocês são muito inteligentes para entender o que nós estamos querendo. [...] Várias vezes se falou em bom senso. [...] Se fosse só bom senso não teríamos lei para proibir matar, proibir roubar, proibir estuprar, não teríamos gente jogando lixo no chão. A lei justamente vem para disciplinar algumas condutas. [...] Vocês estão aqui para defender a opinião de vocês. Estão certos. Mas tem uma população lá fora também que espera que essa Casa legisle pelas famílias, pelas pessoas que são contra. Então esse Projeto, vou frisar, é fazer com que o dinheiro público não seja gasto com esse tipo de evento. Se você quiser fazer na sua casa, particular, na sua festa, isso nós não somos contra”.


Contrários ao PL

A vereadora Suellenn Fisioterapeuta (PV) falou sobre o Projeto. 

“Eu quero destacar algumas falhas identificadas em todo o processo relacionado a esse PL. 1º: ambiguidade e subjetividade dos termos; 2º: potencial violação à liberdade de expressão; 3º: risco iminente de censura cultural; 4º: responsabilização excessiva e impraticável; 5º: efeito inverso ao pretendido; 6º: conflito com o marco regulatório da cultura. [...] Aos autores desse Projeto, respeito todos vocês, mas sou completamente contra e considero esse PL 04/2025 um Projeto de Lei de censura”, disse a parlamentar.

Gustavo de Fizica (MDB) pontuou: “Continuo contra. Não estou aqui para entrar em gosto musical de ninguém. As pessoas têm direito de ouvir o que quiser. [...] Eu sou a favor da igualdade de todos”.

Guilherme Belmiro (PT) observou: “letra de música não é manual de comportamento. [...] Essa lei me preocupa muito porque para mim também é considerada uma censura, e pior, uma censura prévia”. 

Belmiro ainda questionou como se daria a fiscalização.

“Porque nós estamos falando de uma construção, talvez, de um Conselho Superior de Censura. [...] Como na Ditadura Civil Militar. Porque nós tínhamos que enviar a letra da música para os censores para que eles averiguassem se a música poderia ou não ser tocada. É basicamente isso que a gente está querendo criar aqui hoje, porque nós teríamos que encaminhar para a Secretaria de Cultura e Patrimônio, por exemplo, as músicas com as letras para que fosse averiguado se aquela música poderia ser tocada ou não. Ou seja, é uma censura prévia. Isso é perigoso e abre a brecha para algo extremamente perigoso. [...] E aí para vocês que são músicos, independente se vocês tocam música que faça apologia a isso ou àquilo, vocês vão trabalhar com medo. [...] Cada cultura, cada um tem a sua interpretação, cada um tem a sua carga cultural, e isso precisa ser levado em conta quando a gente fala de cultura”, disse o vereador.

Cidadãos se manifestam 

A Audiência contou com a opinião de músicos e demais populares interessados no assunto. Halan Santos, dono do bloco carnavalesco “Cê Cridita?” foi um dos que se manifestaram contra o PL.

“É triste ver essa Casa com um assunto tão supérfluo com a intenção de ‘Ah o dinheiro público’, como se fosse a Prefeitura, como se fosse a secretária que contratasse o MC que eu pus no meu palco. A Prefeitura ajuda com luz, palco, som. O meu bloco é um evento de favela. [...] Então não é para o público de quem está contra o Projeto. [...] Para mim é sensacional ver a favela ocupar espaços que não é para ela estar ali. [...] Porque a gente não tem que ficar escondido no morro. [...] Temos que ocupar espaço, sim. Ocupem espaço. Não deixem calar as suas vozes. Não deixem calar as suas histórias. Ocupem esses espaços, estejam presentes”.

O cidadão Rodrigo Bento Coelho, favorável ao PL, argumentou: “Esse Projeto surgiu de uma demanda da comunidade local a qual o Halan levou o bloco dele que gerou e acarretou esse problema. [...] É preciso compreender que o Projeto não veio para censurar, ele veio para criar limites e fazer um controle social. [...] O Projeto veio de uma manifestação da sociedade. [...] Óbvio que o Projeto precisa de  melhorias, de alterações, [...] de forma que atendam a todos os agentes culturais. Não é a intenção de ninguém censurar o funk ou outras músicas”.

DJ Maicon, que é contra o Projeto, pediu que os vereadores a favor do PL se sensibilizassem e indagou: “por que que a gente não está falando aqui de projetos que vão no caminho de conscientizar ao invés da gente tentar proibir algo? Porque a gente não cria um projeto aqui [...] para subir o morro? Vamos conscientizar, vamos fazer oficinas, palestras, vamos interagir com a comunidade para saber como que é a cultura da comunidade. [...] A gente sabe que [...] são raros os projetos que realmente são para a população de comunidade ou o pessoal mais carente se divertir. São poucos”.

Ele ainda explicou que os músicos tocam as músicas de acordo com o público-alvo do evento.

“A gente que é profissional, que está envolvido no meio, a gente vai de acordo com o público que está lá, que a gente foi contratado para poder fazer. E eu acho que esse Projeto abre uma margem para que outras coisas possam acontecer dentro da nossa Cidade em termos de fiscalização e bloqueio de evento, em termos de muito mais. [...] Eu já tive muitos eventos parados por conta dessa fiscalização que não foi bem feita, imagina se isso vai para a questão das letras de música? A gente sabe que fica difícil de controlar”.

O MC Wesley Júnior (MC WJ), também contrário ao PL, disse que a proposta poderia prejudicar os músicos e pediu que os vereadores se preocupassem mais com as crianças e jovens das comunidades. 

“Se forem lá na escola, está todo mundo bem. Dá uma volta de madrugada lá no São Pedro para vocês virem quantas pessoas usam droga. Já que quer ajudar, sobe no morro, vai no Triângulo, vai no São Pedro. [...] Já que vocês querem ajudar mesmo as crianças, as pessoas, subam na favela, mas não vão na escola não, porque na escola está todo mundo bem, vão de madrugada que vão ver [...] onde tudo acontece”, desabafou o MC.

Leandro Lelis da Costa afirmou: “o período mais sombrio do Brasil foi a Ditadura Militar, quando vários cantores foram exilados, tiveram que sair do Brasil por causa de músicas. [...] Eu acho que nós não temos o direito de censurar ninguém. [...] Eu manifesto aqui a minha opinião contrária a esse Projeto”.

O músico Arthur Vinih, contrário ao PL, ressaltou: “tem um lado muito complexo que é você entender esse eu lírico, entender o que o compositor quer dizer, e se essa lei for para frente ... [...] Eu estou pagando para poder ver essa comissão julgadora, porque realmente vai ter um trabalhão. Porque seum DJ for censurado, se um MC for censurado, ele tem o direito [...] ali de querer investigar um repertório de todo mundo, e a gente volta como a gente colocou aqui, à Ditadura. A gente vai ter que analisar o repertório de cada banda que está tocando, de cada evento cultural, para poder analisar e ver se o artista está ou não preparado ali para aquele evento. É complexo analisar esse eu lírico, composição é algo complexo e sou completamente contra essa Lei”.

O professor Carlos Inácio Coelho Neto afirmou: “Esse Projeto, se for aprovado, abre uma porta  perigosa para a censura, e a gente não pode ter medo de falar isso, porque a nossa Constituição, a regra máxima do país tem que ser respeitada. Garante o direito à liberdade de expressão artística conforme está no artigo 5º, parágrafo nono da Constituição. E isso vale para todos os estilos, seja música clássica, sertanejo, rock, funk ou rap. [...] E é importante lembrar  também que o artigo 215 da Constituição determina que o Estado deve promover e proteger a diversidade cultural. Isso inclui expressões periféricas, urbanas, populares; muitas vezes elas são desconfortáveis sim para quem não é da periferia”, finalizou.

O vídeo da Audiência Pública do dia 8 de maio de 2025 está disponível na página da Câmara no Facebook e no canal no YouTube