Artista critica PL que veta músicas com apologia a crimes em eventos da Prefeitura

por Mateus Pires publicado 23/04/2025 18h05, última modificação 23/04/2025 18h10
Arthur Vinícios de Souza e Sousa avaliou que o Projeto de Lei do Legislativo nº 4/2025 promove “contorcionismo intelectual” e apresenta falhas, como falta de critérios objetivos
Artista critica PL que veta músicas com apologia a crimes em eventos da Prefeitura

Arthur Vinícios de Souza e Sousa

Críticas ao Projeto de Lei (PL) do Legislativo nº 4/2025 marcaram a participação do cidadão Arthur Vinícios de Souza e Sousa, na Tribuna Livre da Reunião Plenária da última quarta-feira (16). A proposta, que já possui uma versão substitutiva, veta a reprodução, em estabelecimentos públicos de ensino e em eventos públicos no Município, de músicas que façam apologia a crimes, além de proibir o apoio com recursos públicos a esses eventos.

Arthur avaliou que a proposta é carente de objetividade e abre margem para interpretações discriminatórias. “Ele não é claro, não é definido sobre o que vai ser proibido. [...] E eu percebo que existe um segmento musical hoje, que é o funk, o trap, as músicas periféricas, ‘onde’ o preconceito é direcionado para essa galera”.

A situação, na visão do participante, assemelha-se ao preconceito enfrentado por outros estilos musicais em épocas passadas, como o samba e o reggae. Arthur exibiu a capa de um disco do cantor e compositor Bezerra da Silva para ilustrar sua crítica em relação ao PL.

“Se esse Projeto de Lei vai fiscalizar e identificar o que é apologia ao crime, eu pergunto a vocês: nessa, o Bezerra da Silva seria censurado só pela capa? Então, é muito vago, é muito difícil vocês definirem o que é apologia ao crime ou não quando se trata de arte”, disse.

Arthur avalia que o PL pode gerar discriminação com relação a estilos musicais, como o funk e o trap. “Por que eu digo que esse Projeto faz um contorcionismo intelectual? Porque aqui, neste Projeto, eles dizem que o problema é a letra. Então, até em minhas redes sociais, eu trouxe vários vídeos com várias músicas de outros segmentos musicais que têm a letra idêntica às letras que são colocadas no funk, hoje. [...] Se você pega a música da Rita Lee Lança Perfume, já começa fazendo apologia ao uso de droga, porque lança perfume é uma droga. [...] Como tem uma melodia, [...] a MPB passou a ter uma aceitação maior entre as pessoas”, observou.

O cidadão elogiou a alteração proposta no PL Substitutivo, que retirou a vedação a músicas com conteúdo sexuais explícitos.

Necessidade de uma comissão

Críticas à falta de uma comissão julgadora para avaliar se determinada música promove apologia ao crime também foram feitas pelo participante. “Vai existir uma bancada para poder avaliar o que é apologia? [...] Às vezes, vai faltar capacidade intelectual dessa pessoa para poder dizer, entender, compreender que isso é uma crítica social. [...] Quando for fazer show na Prefeitura, tenho que montar um repertório e vai existir uma bancada para avaliar letra por letra?”.

Ele também lembrou que a apologia em si já é um crime previsto na legislação e citou sobre a complexidade em definir o que seria apologia. “O Projeto diz que vai censurar letras que façam apologia. [...] Como que os vereadores que fizeram esse Projeto querem que essa periferia fale sobre outras coisas? Essa periferia está falando da violência, porque a violência é parte do cotidiano deles. E aí você vai oprimir essas pessoas”.

Projeto precisa de mudanças

Para Arthur, o PL substitutivo ainda precisa passar por mais mudanças para resolver os problemas apresentados por ele. “Assim como os vereadores repensaram a questão do sexo, eu achei positivo, e retiraram, [...] espero que eles repensem essa complexidade de você dizer o que é ou o que não é apologia ao crime”, concluiu o participante.

Contrários ao Projeto

Durante a Sessão, pelo menos cinco vereadores se manifestaram contra a proposta e expuseram argumentos.

Emerson Carvalho (PP) pediu que os colegas autores do PL arquivem a proposta. “Acho que seria muito mais fácil a Prefeitura, na hora de fazer o contrato, colocar uma cláusula que proibisse, por exemplo, a apresentação de pessoas que tragam certo tipo de música que não combina com o ambiente, determinada situação, horário, dia, local. [...] Acho que a vida já impõe barreiras para muitas pessoas, principalmente para as pessoas carentes que querem curtir alguma música. [...] E não somos nós aqui que precisamos colocar mais uma barreira”, justificou.

Fernanda Bitenco (Agir) lembrou que foi ela, por meio das redes sociais, quem iniciou o debate com a população sobre o PL. “Sou 100% contra este PL. [...] Por que eu falei sobre o funk? Porque foi o hit que foi tocado e que incomodou os vereadores para estarem criando esse Projeto. [...] Por que a gente tem que respeitar o que os ouros gostam e o que a gente gosta a gente tem que ser criticado, tem que ser condenado, tem que ser criado um Projeto de Lei para ser proibido? [...] Eu nasci, cresci ouvindo esse tipo de funk que condena, esse tipo de letra que condena [...] e nem por isso a música me fez uma pessoa ruim, porque senão não merecia estar aqui hoje”, avaliou.

Guilherme Belmiro (PT) chamou atenção para a dificuldade da aplicabilidade da proposta. “O Município não tem como saber previamente o que vai ser apresentado, a menos que seja criada uma exigência administrativa para que o artista, antes do show, mostre para a Prefeitura a relação das músicas que serão tocadas, o que claramente é uma censura prévia. [...] Letra de música não é manual de comportamento. [...] Se de fato há uma preocupação sobre o público que está assistindo, faça uma classificação indicativa que já existe no Ministério da Justiça”, sugeriu.

Gustavo de Fizica (MDB) considerou que o PL é desnecessário e que as pessoas devem ter liberdade para escutarem o estilo de música que desejarem. “Sou contra o Projeto mesmo, porque eu acho que as pessoas têm o direito de ouvirem o que quiserem. A educação está dentro de casa, e a minha mãe me ensinou, desde pequeno: ‘meu filho, você ouve o que quiser, mas você vai ser o que você quiser’”.

Suellenn Fisioterapeuta (PV) citou os problemas que ela identificou no PL. “A matéria [...] representa, para mim, censura às músicas, prejudicando artistas e movimentos sociais legítimos. É importante destacar aqui seis fatores: [...] subjetividade dos termos; [...] potencial violação à liberdade de expressão; [...] risco de censura cultural; [...] responsabilização excessiva e impraticável; [...] efeito inverso ao pretendido: ao invés de combater a violência ou o crime, a medida pode gerar perseguição a artistas, fomentando revolta e desinformação; [...] conflito com o Marco Regulatório da Cultura”, disse.

Autores defendem

Os vereadores autores do PL, Careca Totinho (Avante), Marcinho de Belim (PDT), Pastor Fabiano (Avante), Rubinho (PP) e Wagner Gomides (PV), defenderam a proposta e ressaltaram que ela não faz censura e nem discrimina estilos musicais. Eles explicaram que a intenção é proibir o uso de recursos públicos em eventos que promovam a reprodução de músicas com apologia ao crime.

Careca Totinho considera importante o PL para proteger crianças de serem expostas a conteúdos inadequados. Ele defendeu que recursos públicos não devem ser usados para impulsionar a discriminação de grupos sociais. “A minha preocupação é com as crianças, por quê? [...] Tem música que está extrapolando. A criança reproduz aquilo que ela ouve”. 

Marcinho de Belim lembrou que a apologia é crime e que PLs como o proposto por ele já foram aprovados em outras regiões do país. “É um grande desrespeito à moral pública causado quando há reprodução de canções que contenham expressões pejorativas ou ofensivas em ambientes públicos. Então, não é permitido um evento público, financiado pelo poder público, citar palavras com órgãos genitais igual temos visto. Isso aí, para as crianças, [...] é muito triste, [...] porque as crianças e os adolescentes vão formando em sua postura social a concepção de fazer o que dizem as letras”, afirmou.

Pastor Fabiano destacou que o PL está em tramitação, possibilitando que seja alterado para atender melhor ao que é necessário. “O Projeto em si, até agora, pode ser aperfeiçoado. [...] Nós não podemos proibir ninguém de ouvir, de tocar, de nada. [...] Nós não somos contra o funk, não somos contra o pagode, nada. Só que a gente tem uma posição e a gente defende essa posição”, disse.

Rubinho agradeceu a sugestão de Arthur sobre a necessidade de haver uma comissão julgadora. Ele destacou que a intenção do PL é dar segurança jurídica à Prefeitura. “O que nós estamos colocando, Arthur, é com referência ao gasto com dinheiro público. [...] É para resguardar a Prefeitura, porque já está no Código de Processo Penal. Se amanhã essa denúncia for dada, ela vai ser enquadrada no Código de Processo Penal, quem vai responder por isso é a Prefeitura”.

Wagner Gomides disse ser aberto ao diálogo e à possibilidade de retirar o PL da tramitação. O parlamentar ainda questionou Arthur sobre as críticas apresentadas associando o PL ao funk. “Se mesmo você sabendo que ele [o PL] nunca falou de funk, [...] você postar, sentado naquela cadeira, que está aqui na Tribuna, no contorcionismo intelectual para censurar o funk, você quer de fato construir algo e brigar por algo que você vive, ou você quer like e curtida?”.

“Um projeto como esse pode não dizer diretamente ‘eu estou censurando o funk’, mas a gente sabe muito bem o segmento, hoje, que sofre preconceito. [...] Muito mais do que like, é fazer com que os meus seguidores tenham um pensamento crítico sobre o que eles estão vendo”, respondeu Arthur.

Mais debate

O presidente da Câmara, Wellington Neim (PP), defendeu a necessidade de discutir mais com a população a respeito do PL. “Ao meu ver, o Projeto de Lei não está proibindo essas músicas. Porém, [...] a cabeça de quem está julgando, a gente não sabe o que ele está pensando naquele momento. [...] Não tenho uma formação ainda com relação ao Projeto, mas tenho um pensamento de, tipo assim, o que que esse Projeto realmente está proibindo? Qual a necessidade realmente dele, da confecção dele? [...] A gente precisa de debater mais”.

Audiência Pública

A Câmara agendou, para 8 de maio, às 18 horas, no Plenário João Mayrink, uma Audiência Pública para possibilitar o debate a respeito do PL. Qualquer cidadão interessado pode participar do evento.

O Projeto

O PL do Legislativo Substitutivo nº 4/2025 tem, segundo os autores, o objetivo de “vedar a execução de músicas que contenham apologia ao crime, ao uso de drogas, à violência, ao racismo, à discriminação em eventos públicos, bem como a vedação de custear eventos desta natureza, total ou parcialmente, com recursos públicos”.

O texto também apresenta definições de conceitos necessários à aplicação da proposta de norma e apresenta penalidades para casos de descumprimento às regras. O texto completo está disponível no site Câmara.

O vídeo da Reunião Plenária do dia 16 de abril está disponível na página da Câmara no Facebook e no canal no YouTube.

Tribuna Livre

A Tribuna Livre é um espaço destinado à população durante a Reunião Plenária. A participação acontece mediante inscrição prévia, via formulário eletrônico. Informações: (31) 3819-3250.